sexta-feira, 8 de maio de 2009

O DESENCANTO DA PROFISSÃO

Desde muito novo que comecei a dizer que “quando fosse grande” queria ser Advogado, “para defender causas justas”.
Apesar dos meus testes de aptidão profissional colocarem no mesmo nível a advocacia, a engenharia, a economia e outros, persisti na minha ideia e segui Direito. Após a conclusão do curso, dúvidas não tive de que a única carreira jurídica que queria seguir era a Advocacia.
Nessa altura, quando se falava num advogado, e não vão lá assim tantos anos, cerca de 27, falava-se de alguém com uma posição de destaque na sociedade, um gentleman, um homem culto, bem-falante, acérrimo defensor dos direitos dos seus constituintes. Tive a honra de fazer o estágio com um grande Advogado e grande lutador da Liberdade, a quem aqui presto a minha homenagem, o Dr. José Henriques Vareda. Foi, aliás, dele, o primeiro julgamento a que assisti na vida, antes do 25 de Abril de 1974. Só que aí era réu (o nome que na altura tinham os que hoje são arguidos) e por alegados crimes contra o estado. Uma questão relacionada com “reuniões clandestinas”. Não esquecerei nunca a postura digna, frontal, desassombrada, sem medo, assumida pelo que veio a ser meu Patrono no estágio da Advocacia. E era aí réu, que não Advogado. E era perseguido por questões politicas. Recordo a exigência de rigor no estudo das questões que me eram entregues, a exigência de cordialidade no trato com todos os agentes judiciários, mas sem subserviência, e o fomento da amizade. Os juízes tinham as portas dos gabinetes abertas para os advogados e tratavam-nos com grande respeito que, aliás, era mútuo.
Mas isto era numa época em que ser Magistrado era uma questão de vocação, quase de sacerdócio. Era numa altura em que só ia para juiz quem sentia vocação para tal. E ia para a advocacia quem queria ser advogado e sentia que era esse o seu caminho.
Era no tempo em que cada um de nós tinha a liberdade de escolher o curso que queria, sem que outro lhe fosse imposto.
Mas a “evolução” da sociedade acabou com tal estado de coisas. Em primeiro lugar, condicionou-se o acesso aos cursos superiores, e, como consequência, os cursos passaram a ser frequentados não por quem os queria tirar, mas por quem não tinha alternativa, já que não conseguia entrar no que queria.
Desapareceu a procura da realização pessoal e profissional, para passarmos a ter uma procura de um curso superior para obter proveitos económicos. E que curso era mais barato instituir num estabelecimento de ensino? Que curso era possível leccionar com apenas uma sala, algumas mesas e cadeiras? Que curso podia ser apresentado como possibilitando o acesso a uma profissão liberal digna e respeitada? A resposta era só uma: DIREITO.
Nasceram então cursos de direito por todo o lado, abriram-se, aliás, escancararam-se as portas a todos os que não conseguiam média para entrar para outro curso, e aspiravam, legitimamente, aliás, a ser “doutor”.
Passámos a ter milhares de licenciados em direito em cada ano. Mas, entretanto, e dadas as dificuldades, a opção passou a ser alcançar a estabilidade financeira o mais cedo possível, e para isso, nada melhor do que entrar para a magistratura. Sempre se começava a ganhar dinheiro logo a partir do primeiro dia. E passámos a ter juízes que não cumpriram a sua vocação, mas obtiveram uma colocação com salário bastante acima da média, e, como “bónus” O PODER. Que fique claro que isto não é uma generalização, mas apenas um “carapuço” que servirá a alguns.
E se não se consegue entrar para o CEJ, então, o melhor é tentar um notário ou uma conservatória. Afinal, sempre é função pública, sinal de estabilidade, e o salário não é nada mau, podendo, com a comparticipação emolumentar, ascender a valores mais do que razoáveis.
Mas se não se consegue uma qualquer colocação no mercado, então só há uma alternativa: ser advogado.
Afinal, a Ordem dos Advogados é uma porta escancarada para qualquer licenciado em direito. E alguns proveitos se hão-de obter.
O legislador até veio a aprovar diplomas que provocaram a possibilidade de os juízes esbaterem as diferenças qualitativas entre os advogados. Veja-se como podem “dar a mão” a quem não tenha articulado bem, convidando à correcção de peças que, noutros tempos, determinavam a imediata improcedência da acção ou a absolvição dos réus.
E passámos a ter juízes de porta fechada, a olharem para os advogados como uma classe de profissionais esgotada, desprestigiada, de maus técnicos, de verdadeiros comerciantes. Esquecem-se de que os primeiros comerciantes são os que vêem a sua profissão como um mero meio de fazer face às suas necessidades de subsistência.
E passámos a ter advogados com escritórios em casa. E passámos a ter advogados a abrir lojas em centros comerciais, a tratar a advocacia como se fosse uma qualquer outra prestação de serviços ou venda de um qualquer produto.
E esqueceu-se a importância de os advogados serem os arautos dos direitos dos cidadãos, e que a defesa de tais direitos deve ser feita de foram discreta, e não discutida publicamente, salvo casos muito excepcionais.
E os deveres deontológicos foram esquecidos, nomeadamente o trato entre Colegas. Quantas vezes não fazemos deslocações desnecessárias pelo simples facto de um colega não nos avisar de que vai faltar?
O Conselheiro Marques Vidal escreveu um livro, cujo título não recordo, onde se referia aos magistrados com as palavras mais duras que jamais vi. Acho mesmo que o nosso Bastonário nunca chegou tão longe. Dizia ele, entre outras coisas, que os magistrados deixaram de se dar ao respeito, e começaram a arrastar as becas pela lama.
Pergunto eu: Será que não andamos nós, também, a arrastar as togas pela lama?

Concluindo:
Urge recuperar a dignidade e a credibilidade da advocacia.
Urge estancar o acesso à nossa profissão.
Urge punir com severidade todos os que prevaricam, e “limpar” a nossa classe.
É fundamental recuperar as normas deontológicas que tínhamos, nomeadamente, no que à publicidade se refere.
É necessário, de uma vez por todas, fazer cumprir o regime das incompatibilidades e alargá-las a outras situações.
Não se pode permitir a confusão entre um escritório de advocacia e a residência do advogado.
Não se pode permitir a confusão entre um escritório de advocacia e a sede ou estabelecimento de uma qualquer empresa.
Não se pode permitir um escritório de advocacia ser divulgado com o nome de um advogado que nunca ou quase nunca lá vai, assim se fazendo publicidade enganosa.

Comecemos por aqui.

(Comunicado à VII Convenção das Delegações da Ordem dos Advogados)


1 comentário:

  1. De onde é que eu conheço isto? Terá sido naquele belo fim-de-semana em que sua Exa. teve o prazer de provar, pela primeira vez, os belos «pitos» (especialidade da doçaria, entenda-se) de Vila Real?

    Reparei, ainda, que o seu perfil permite entrar numa loja...

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