quinta-feira, 21 de maio de 2009

As leis e as mulheres

Na Bíblia, Livro do Génesis, Capítulo 3, versículo 16, consta, referindo-se a Deus: “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a dor da tua concepção; em dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para teu marido, e ele te dominará”.
Significa que há milhares de anos que foram criadas certas ideias, que foram sendo alimentadas ao longo dos séculos, que estabeleceram diferenças entre homens e mulheres.
Não é, assim, de admirar a existência de regimes legais que tutelem essas diferenças.
E não é preciso recuar muito tempo para descobrir no ordenamento jurídico português, várias dessas normas que, após o 25 de Abril, foram sendo sucessivamente alteradas e revogadas.
Estabelecia o § único do artº 5º da Constituição Portuguesa de 1933, e que esteve em vigor até 1974, que a igualdade perante a lei envolvia vários direitos, e a negação de privilégios “de nascimento, nobreza, título nobiliárquico, sexo ou condição social, salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família”.
A igualdade plena só teve consagração constitucional com a Constituição de 1976.
A mulher necessitava de consentimento do marido para exercer o comércio, devendo tal autorização constar mesmo do registo comercial.
O Código Civil estabelecia, por exemplo, que a mulher devia adoptar a residência do marido, que o marido era o chefe da família. Estabelecia ainda que se a mulher exercesse actividades lucrativas, mediante contrato com terceiros, sem consentimento do marido, este podia denunciar, em qualquer altura, tal contrato, sem que daí adviesse qualquer responsabilidade indemnizatória para o casal…
Naturalmente que eram consagrados também direitos para as mulheres. Assim, estabelecia o artº 1677º do Código Civil que o governo doméstico pertencia à mulher. Em contraponto, a administração dos bens do casal, incluindo os bens próprios da mulher, pertencia ao marido, como chefe de família. A mulher podia, no entanto, movimentar depósitos bancários, no exercício do governo doméstico.
Em Portugal, em 1910, passou a dar-se tratamento igual a situações de adultério, cometido por homens ou mulheres. Em 1931, reconheceu-se o direito de voto às mulheres diplomadas com cursos superiores ou secundários, enquanto que ao homem bastava saber ler e escrever.
Em 1918 (Decreto nº 4876, de 17 de Julho), foram as mulheres autorizadas a exercer a advocacia.
A partir de 1969, a mulher casada passou a poder transpor a fronteira sem licença do marido.
Em1976 aboliu-se o direito do marido abrir a correspondência da mulher.

Nesta linha (???!!!), em 2008, estabeleceu-se que quem não cumprir com o regime de visitas estabelecido na regulação de exercício das responsabilidades parentais (anteriormente chamado de regulação do poder paternal), por exemplo se a mãe não deixar o filho ir com o pai, está sujeita a uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. Por outro lado, quem não pagar a pensão de alimentos a que está obrigado, pode ser punido com uma pena de multa até 120 dias. É que a realidade do nosso país ainda é no sentido de os filhos ficarem mais frequentemente com as mães e serem os pais os obrigados ao pagamento de pensões de alimentos. Assim, cada um que tire as suas conclusões…

Quanto a leis ou normas em vigor actualmente, que serão certamente obsoletas já amanhã, e por todas, não posso deixar de referir as leis das quotas e aquela que estão ainda a tentar fazer aprovar, que é a lei da paridade, que não adjectivo para não ferir susceptibilidades de quem de boa-fé trava tais lutas.

Mas, de uma maneira geral, e do ponto de vista legislativo, atingiu-se a igualdade plena entre homens e mulheres, e tem havido a preocupação de defender a “mulher mãe”, a par com a atribuição de regalias / direitos ao pai que exerça plenamente a parentalidade. Com esta mudança de mentalidades, as questões da renuncia à ascensão profissional para acompanhar os filhos, da presença ao longo do crescimento e desenvolvimento dos filhos, deixam de ser problemas exclusivos da mulher, para passarem a ser uma opção do casal.

Quanto ao futuro, não me parece adequado continuarmos a pensar em termos de protecção da mulher, quer como profissional, quer como mãe, antes se devendo assumir a igualdade plena nas vidas de todos, tal como já está estabelecida na Lei.




sexta-feira, 8 de maio de 2009

E lá voltou isto a estar muito sério e formal. Começo a convencer-me de que estou a ficar maçador, pouco divertido.

Certamente, fruto dos tempos… Da crise…

Mas será a crise a desculpa para tudo o que se passa agora?

Se calhar até é…

É a crise financeira, é a crise da Justiça, é a crise da saúde, é a crise da educação, é a crise de valores, é a crise “dos 40”, etc.

E com estas crises todas ainda não nos habituámos?

Se calhar mesmo, o melhor é dar um pontapé nestas crises todas que nos impingem e gozar a vida.

E até nos podemos divertir com a crise.

Vejam o que aparece pelas nossas escolas:


Composição do João (6º ano) - Uma obra prima!


“As rãs: Eu gosto muito de rãs. As rãs arrotam a noite toda. As rãs são mais pequenas que as vacas e mais grandes que um pintelho. As rãs não têm pintelhos. As rãs põem ovos pela paxaxa que depois dão rãzinhas pequenas. Se as rãs tivessem pintelhos na paxaxa arranhavam os ovinhos que são muito pequenininhos e as rãzinhas que estão lá dentro iam morrer porque entrava água pelas arranhadelas e elas morriam afogadas e porque quando são pequenas não têm patas e não sabem nadar.

Eu também ainda não tenho pintelhos mas já sei nadar. Também ainda não tenho paxaxa mas um dia vou ter muitas. As rãs são as mulheres dos sapos.

Os sapos não têm unhas por isso não podem coçar os tomates. É por isso que eles andam com as pernas abertas a arrastar os Tomates que é para os coçar.

E quando se picam nos tomates os sapos dão saltos.

As rãs também dão muitos saltos, por isso têm a paxaxa sempre aos saltos.

Eu gosto muito de rãs. E gosto muito de sapos.”


Brilhante, não?



O DESENCANTO DA PROFISSÃO

Desde muito novo que comecei a dizer que “quando fosse grande” queria ser Advogado, “para defender causas justas”.
Apesar dos meus testes de aptidão profissional colocarem no mesmo nível a advocacia, a engenharia, a economia e outros, persisti na minha ideia e segui Direito. Após a conclusão do curso, dúvidas não tive de que a única carreira jurídica que queria seguir era a Advocacia.
Nessa altura, quando se falava num advogado, e não vão lá assim tantos anos, cerca de 27, falava-se de alguém com uma posição de destaque na sociedade, um gentleman, um homem culto, bem-falante, acérrimo defensor dos direitos dos seus constituintes. Tive a honra de fazer o estágio com um grande Advogado e grande lutador da Liberdade, a quem aqui presto a minha homenagem, o Dr. José Henriques Vareda. Foi, aliás, dele, o primeiro julgamento a que assisti na vida, antes do 25 de Abril de 1974. Só que aí era réu (o nome que na altura tinham os que hoje são arguidos) e por alegados crimes contra o estado. Uma questão relacionada com “reuniões clandestinas”. Não esquecerei nunca a postura digna, frontal, desassombrada, sem medo, assumida pelo que veio a ser meu Patrono no estágio da Advocacia. E era aí réu, que não Advogado. E era perseguido por questões politicas. Recordo a exigência de rigor no estudo das questões que me eram entregues, a exigência de cordialidade no trato com todos os agentes judiciários, mas sem subserviência, e o fomento da amizade. Os juízes tinham as portas dos gabinetes abertas para os advogados e tratavam-nos com grande respeito que, aliás, era mútuo.
Mas isto era numa época em que ser Magistrado era uma questão de vocação, quase de sacerdócio. Era numa altura em que só ia para juiz quem sentia vocação para tal. E ia para a advocacia quem queria ser advogado e sentia que era esse o seu caminho.
Era no tempo em que cada um de nós tinha a liberdade de escolher o curso que queria, sem que outro lhe fosse imposto.
Mas a “evolução” da sociedade acabou com tal estado de coisas. Em primeiro lugar, condicionou-se o acesso aos cursos superiores, e, como consequência, os cursos passaram a ser frequentados não por quem os queria tirar, mas por quem não tinha alternativa, já que não conseguia entrar no que queria.
Desapareceu a procura da realização pessoal e profissional, para passarmos a ter uma procura de um curso superior para obter proveitos económicos. E que curso era mais barato instituir num estabelecimento de ensino? Que curso era possível leccionar com apenas uma sala, algumas mesas e cadeiras? Que curso podia ser apresentado como possibilitando o acesso a uma profissão liberal digna e respeitada? A resposta era só uma: DIREITO.
Nasceram então cursos de direito por todo o lado, abriram-se, aliás, escancararam-se as portas a todos os que não conseguiam média para entrar para outro curso, e aspiravam, legitimamente, aliás, a ser “doutor”.
Passámos a ter milhares de licenciados em direito em cada ano. Mas, entretanto, e dadas as dificuldades, a opção passou a ser alcançar a estabilidade financeira o mais cedo possível, e para isso, nada melhor do que entrar para a magistratura. Sempre se começava a ganhar dinheiro logo a partir do primeiro dia. E passámos a ter juízes que não cumpriram a sua vocação, mas obtiveram uma colocação com salário bastante acima da média, e, como “bónus” O PODER. Que fique claro que isto não é uma generalização, mas apenas um “carapuço” que servirá a alguns.
E se não se consegue entrar para o CEJ, então, o melhor é tentar um notário ou uma conservatória. Afinal, sempre é função pública, sinal de estabilidade, e o salário não é nada mau, podendo, com a comparticipação emolumentar, ascender a valores mais do que razoáveis.
Mas se não se consegue uma qualquer colocação no mercado, então só há uma alternativa: ser advogado.
Afinal, a Ordem dos Advogados é uma porta escancarada para qualquer licenciado em direito. E alguns proveitos se hão-de obter.
O legislador até veio a aprovar diplomas que provocaram a possibilidade de os juízes esbaterem as diferenças qualitativas entre os advogados. Veja-se como podem “dar a mão” a quem não tenha articulado bem, convidando à correcção de peças que, noutros tempos, determinavam a imediata improcedência da acção ou a absolvição dos réus.
E passámos a ter juízes de porta fechada, a olharem para os advogados como uma classe de profissionais esgotada, desprestigiada, de maus técnicos, de verdadeiros comerciantes. Esquecem-se de que os primeiros comerciantes são os que vêem a sua profissão como um mero meio de fazer face às suas necessidades de subsistência.
E passámos a ter advogados com escritórios em casa. E passámos a ter advogados a abrir lojas em centros comerciais, a tratar a advocacia como se fosse uma qualquer outra prestação de serviços ou venda de um qualquer produto.
E esqueceu-se a importância de os advogados serem os arautos dos direitos dos cidadãos, e que a defesa de tais direitos deve ser feita de foram discreta, e não discutida publicamente, salvo casos muito excepcionais.
E os deveres deontológicos foram esquecidos, nomeadamente o trato entre Colegas. Quantas vezes não fazemos deslocações desnecessárias pelo simples facto de um colega não nos avisar de que vai faltar?
O Conselheiro Marques Vidal escreveu um livro, cujo título não recordo, onde se referia aos magistrados com as palavras mais duras que jamais vi. Acho mesmo que o nosso Bastonário nunca chegou tão longe. Dizia ele, entre outras coisas, que os magistrados deixaram de se dar ao respeito, e começaram a arrastar as becas pela lama.
Pergunto eu: Será que não andamos nós, também, a arrastar as togas pela lama?

Concluindo:
Urge recuperar a dignidade e a credibilidade da advocacia.
Urge estancar o acesso à nossa profissão.
Urge punir com severidade todos os que prevaricam, e “limpar” a nossa classe.
É fundamental recuperar as normas deontológicas que tínhamos, nomeadamente, no que à publicidade se refere.
É necessário, de uma vez por todas, fazer cumprir o regime das incompatibilidades e alargá-las a outras situações.
Não se pode permitir a confusão entre um escritório de advocacia e a residência do advogado.
Não se pode permitir a confusão entre um escritório de advocacia e a sede ou estabelecimento de uma qualquer empresa.
Não se pode permitir um escritório de advocacia ser divulgado com o nome de um advogado que nunca ou quase nunca lá vai, assim se fazendo publicidade enganosa.

Comecemos por aqui.

(Comunicado à VII Convenção das Delegações da Ordem dos Advogados)